Farroupilha: A Revolução dos Fazendeiros
Por Mário Maestri (*) - setembro de 2005
A Guerra Farroupilha [1835-45] foi um entre os muitos movimentos
liberais provinciais contra o centralismo do Império e, a seguir, as
tímidas concessões regenciais. A crise que abalava o Brasil era
alimentada pelas dificuldades da economia escravista. Movimentos como a
Balaiada e a Cabanagem radicalizaram-se com a participação das classes
subalternizadas, levando os liberais regionais a abandonarem a luta.
O movimento farrapo interpretou as reivindicações dos criadores do
meridião do RS. Sua longevidade deveu-se também à capacidade dos seus
chefes de manterem as classes infames na sujeição. A revolta não
galvanizou todo o RS. Os comerciantes, a população urbana, os colonos
alemães mantiveram-se neutros ou optaram pelo Império, pois o programa
farroupilha opunha-se aos seus interesses. Charqueadores e comerciantes
escravistas temiam que a separação comprometesse o tráfico negreiro.
Batalha de Farrapos. José Wasth Rodrigues, PMSP.
Essas defecções facilitaram a perda das grandes cidades e do litoral.
Porto Alegre sublevou-se e resistiu aos farroupilhas, recebendo do
Império o título de "Mui leal e valorosa". Em 1835, os farroupilhas
dominavam a província. Em 1845, apenas as bordas da fronteira.
Propõe-se caráter progressista ao movimento porque parte das suas tropas
era formada por peões, nativos e ex-cativos. Os gaúchos eram em geral
descendentes de nativos que haviam perdido as terras comunitárias para
os criadores. Eles acompanhavam os caudilhos nos combates como o faziam
nas lides campeiras. O gaúcho buscava na guerra churrasco, saque e
soldo. A política era monopólio dos proprietários.
Era antigo direito do homem livre substituir-se por, em geral, um
liberto, quando arrolado. Os libertos eram obrigados a combater nas
tropas farroupilhas; preferiam a guerra à escravidão; criam na promessa
da liberdade. Os chefes farroupilhas reforçavam as tropas com cativos
comprados.
Não houve democracia racial farroupilha. Negros e brancos marchavam,
acampavam e morriam separados. Eram brancos os oficiais dos soldados
negros. Em suas Memórias, Garibaldi lembrava: "[...] todos negros,
exceto os oficiais [...]." Para a Constituição republicana eram cidadãos
apenas os "homens livres".
A República apoiava-se no latifúndio e na escravatura. Os chefes
farroupilhas jamais prometeram terras aos gaúchos e liberdade aos
cativos, como Artigas. Eles dependiam dos cativos para explorar as
fazendas. Terra e liberdade eram conquistas que deviam nascer das
reivindicações das então frágeis classes sociais.
Não foi por democratismo que os farroupilhas exigiram do Império
respeito à liberdade dos soldados negros. Eles receavam que se formasse
guerrilha negra e que os ex-cativos se homiziassem no Uruguai. O Império
não aceitava que negros gozassem da liberdade por combaterem a
monarquia.
A solução encontrada foi o massacre do serro de Porongos, quando o
general David Canabarro, chefe militar republicano, em conluio com o
barão de Caxias, entregou os soldados negros aos inimigos, no mais vil
fato de armas da história militar do Brasil. Carta do barão elucidou as
razões da falsa surpresa militar.
Caxias ordenou ao coronel Francisco de Abreu que não temesse surpreender
os rebeldes. A infantaria farrapa estaria desarmada, devido à "ordem de
um ministro e do General-em-Chefe". Ele esperava que o "negócio
secreto" levasse em "poucos dias ao fim da revolta" e solucionasse o
caso dos soldados negros.
Caxias ordenava: "[...] poupe o sangue brasileiro quando puder,
particularmente de gente branca da província ou índios, [...] esta pobre
gente ainda nos pode ser útil no futuro." Preparava já a intervenção no
Prata, na qual os ex-farrapos marcharam com o Império, em defesa das
suas fazendas no Uruguai.
Na madrugada de 14 de novembro de 1844, as tropas imperiais caíram sobre
os 1.200 soldados farroupilhas. Cem combatentes foram mortos e 333
presos. Eram sobretudo negros.
A infâmia abriu as portas à rendição acertada em Ponche Verde. O Império
pagaria as contas republicanas e manteria os postos dos oficiais. Os
rebeldes aceitariam a anistia e entregariam os soldados negros
restantes.
Em novembro de 1844, 220 lanceiros, aprisionados em Porongos e no Arroio
Grande, foram remetidos ao Rio de Janeiro. Em início de 1845, 120
soldados negros foram entregues aos imperiais. Na Corte, em 1848, eles
trabalhavam como cativos no Arsenal e na fazenda de Santa Cruz, como
assinala Moacyr Flores em Negros na Revolução Farroupilha [Porto Alegre:
EST, 2004]
Neste 20 de setembro, merece celebração sobretudo a vontade libertária
dos milhares de cativos que aproveitaram o confronto senhorial para
aquilombar-se e fugir sobretudo para o Uruguai, seguindo a sábia
lembrança de que, se "deus é grande, o mato é maior!"
(*) Mário Maestri, 57, historiador, é professor do PPGH da UPF.
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