Tania Jamardo Faillace - jornalista de POA – Região 1
Durante o mandato de João Dib como interventor do regime militar em Porto Alegre, no início dos 80, ele fez algumas propostas chocantes para a então aguerrida população portoalegrense. Tratava-se da “modernização”do Centro de Porto Alegre. Nessa modernização, estavam incluídas:
1. Demolição da Usina do Gasômetro
2. Demolição do Cadeião (Casa de Correção)
3. Demolição do Mercado Público
4. Demolição do Paço dos Açorianos
No lugar do Mercado Público e do Paço Açorianos, seriam construídos enormes estacionamentos subterrâneos para carros de passeio. No lugar do Cadeião e da Usina do Gasômetro, um projeto para o turismo de alto luxo, com marina privada, hotéis de muitas estrelas, etc., etc.
Na época, a sociedade gaúcha agiu rápido. Tombou (preservou) legalmente os prédios ameaçados, mas não conseguiu impedir a demolição do Cadeião, antes de ser publicada a lei no Diário Oficial. Depois disso, o pessoal não mais se descuidou, e conseguiu proteger os outros prédios. Mas a idéia não morreu, apenas ficou em banho-maria.
O neoliberalismo dos governos Yeda, Fogaça e Fortunatti, abriu novamente a temporada de caça ao patrimônio cultural e à memória da cidade. Não se trata mais de um projetinho aqui e outro lá, mas de um plano geral para privatizar (e elitizar) toda a orla do Guaíba e outros espaços privilegiados, e, principalmente, para impedir que o cidadão comum, que não tem carrões e cartões milionários, possa desfrutar das coisas boas de sua cidade.
Diretrizes para a orla.
A Ponta do Gasômetro e o Parque Harmonia são dois sucessos de povo e público, apesar de algumas deficiências. São locais de lazer acessíveis a qualquer morador ou visitante de Porto Alegre, que podem passar seu domingo ou feriado respirando ar puro, admirando o pôr-do-sol, ou batendo bola com os amigos, com um mínimo de despesa ou despesa nenhuma, e sem impedimentos físicos. Totalmente democráticos, o Gasômetro e o Harmonia recebem quem quiser visitá-los, de A a Z, rico, remediado, pobre, morador de rua, artesão, pipoqueiro, malabarista, roqueiro, pintor, atleta, deficiente, velho, bebê, cachorro na trela... e até cabo eleitoral. Pois a prefeitura de Porto Alegre resolveu retomar o espírito da velha proposta do Dib. Por que tanta beleza e facilidade deveriam ficar à disposição dos portoalegrenses gratuitamente, sem obrigá-los a gastar e apresentar prova de fortuna e destaque social?
As novas diretrizes para a orla vão corrigir esse “defeito” no trecho Gasômetro/Internacional. Avenidas, passarelas, estacionamentos, torres de concreto sem nada a ver, cortes de árvores, mais pistas que avançam rio a dentro (com um estacionamento dentro do rio!) e restaurantes de luxo. Por outro lado, serão proibidas as barraquinhas e coisas de baixo preço. Em resumo, o cidadão comum deverá deixar a área livre para turistas com muitos dólares ou euros, e brasileiros abonados, que não gostam de cruzar com gente de crédito limitado, que não anda de carrão.
Cais Mauá.
Cais são áreas para atracar navios. Nos cais, os navios embarcam e desembarcam mercadorias e passageiros – um transporte muito mais barato e eficiente que o rodoviário. Não são áreas próprias para o comércio varejista ou diversões. Pois bem, os amiguinhos do rodoviarismo e do pedágio, querem construir prédios de 100m de altura, shoppings, escritórios, etc., DENTRO DO CAIS.
Há dezenas de prédios desocupados no Centro, e mais de 30 shoppings na cidade, que serão duplicados nos próximos anos – mas a faixinha do cais encanta o governo Yeda, que quer mais edifícios, mais engarrafamentos e mais shoppings. Pergunto: que empreendedor será tão desmiolado para se estabelecer do outro lado do Trensurb e do dique da Mauá, enfrentar os congestionamentos da Conceição, da Castelo Branco e da Rodoviária, e rodar de 3 a 6 km (ida e volta) para alcançar o portão central, e dali, seu prédio?
Aliás, o governo federal está processando o governo estadual que fez um edital de licitação para as obras, sem ter poder para isso: o porto é federal e não estadual.
A morte anunciada do Brique da Redenção e do Parque
Também o Parque Farroupilha, que se salvou de perder pedaços para o túnel da Conceição, quando o governo Villela quis cortá-lo ao meio e demolir vários prédios históricos da Universidade Federal, está ameaçado e na mira do canhão!
Novidades: 1) estacionamentos no Parque Farroupilha, e 2) destruição do Brique da Redenção para aumentar o Hospital Pronto Socorro, que está pequeno demais para as necessidades.
Achamos o contrário: o Hospital de Pronto Socorro deve ter extensões nos vários bairros, ao invés de ficar concentrado num local só, com todos aqueles problemas de circulação e acesso que se sabe.
Nós, portoalegrenses, usuários da Saúde Pública queremos várias unidades públicas de atendimento de emergência, não uma única, gigantesca, que comerá um bairro inteiro, e destruirá um dos locais mais tradicionais do domingo na cidade.
Não bastou entregarem o Auditório Araújo Viana para uma empresa promocional? Nos anos 50 e 60, ele era de uso público, realizando shows e eventos com entrada liberada.
Gente! vamos permitir que os portoalegrenses sejam segregados e expulsos por faixa de renda? que os bons lugares da cidade sejam reservados apenas para os privilegiados econômicos? Mas não é só.
Condomínios e loteamentos
Vejamos: dona Yeda quer que uma vasta área pública no bairro Humaitá, - que PRECISA de um pulmão verde, por ser o bairro mais poluído da cidade, – seja ocupada por uma porção de prédios de luxo, a serem construídos pela baiana OAS, sob a desculpa de também construir um estádio que levará o nome do Grêmio. Na verdade, o Grêmio não será dono dele nem da área do Olímpico, que será cedida – de graça – à construtora OAS.
Como sabemos, quando os prédios de luxo chegam, os moradores que não são de luxo vão embora, expulsos pela pressão imobiliária.
Sem falar que a regularização fundiária feita pela prefeitura autoriza até lotes de 20 metros quadrados – um tico de terreno de 4 por 5metros. Quem não gostar, pode pegar um bônus financeiro desde que vá morar fora de Porto Alegre. Há, pois, privilegiados e não privilegiados.
Privilegiados e Não Privilegiados
Esses privilegiados são tão privilegiados que não precisam cumprir as regras dos loteamentos. No Beco do Salso, a construtora Rossi está fazendo um condomínio de luxo, o Toscana, para mais de mil pessoas, sem tratar seus esgotos – tudo irá diretamente para o arroio Dilúvio, a menos que o DMAE resolva favorecer a empresa paulista, com o dinheiro dos contribuintes portoalegrenses.
Já os não privilegiados são os comerciantes pobres do Viaduto Otávio Rocha, por exemplo, que a Secretaria de Indústria e Comércio quer despejar para entregar o Viaduto a um empreendedor rico.
Nas reuniões dos forum de planejamento da cidade são conhecidos e discutidos todos esses assuntos. Aproxime-se você também de sua associação, de seu forum, para discutir e reivindicar, e, mais do que tudo, planejar pessoalmente sua região, seu bairro, sua rua, sua vida! (TJF - Região 1)